quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CARTA PARA UM PASSARINHO


(Escrita em 04/07/2010)

Houve um tempo no qual acreditei ser eu quem o tinha deixado livre, pois meu espírito romântico me fez pensar que, apesar de sermos (na minha imaginação), perfeitos um para o outro, ainda não era o momento. Vejo, contudo, que foi escolha sua não pousar em minha mão.
Não era uma obsessão que me arrastava até você. Não sou louca, sou artista – ao menos foi o que me disseram e prefiro acreditar nisto. A arte me impede de sentir as coisas pela metade, então vivo apaixonadamente mesmo sem demonstrar.
Desejei criar asas para voar ao seu lado e mantive meus olhos tão presos às nuvens que esqueci de fincar meus pés no chão. Então caí, despenquei e talvez ainda não esteja completamente de pé.
Meu consolo era acreditar que você, apesar de raramente descer a terra, pudesse se lembrar daquela que, ao som do silêncio, declarou-lhe tudo, mas... Não foi assim. A nossa distância que antes parecia produto da timidez e do medo, agora se mostra também como mais uma de suas escolhas.
Era divertido me ver entorpecida de encanto, voz branda, gestos serenos. Agradava-lhe saber que era digno de admiração; conquistara uma aduladora sem ter feito o menor esforço. A vaidade lhe impediu de me enxergar, fez ver em mim apenas um instrumento que engrandecia seu ego e manipulou os acordes a sua maneira.
Nunca vou ouvir um pedido de desculpas. Talvez você não saiba ou não queira saber a participação que teve em meus próprios erros os quais foram instigados pelos seus. Nova queda: percebi quando escorreguei dos seus olhos e caí diretamente nos chão.
E o mais estranho é que, em breve, muito breve, o passarinho vai se sentir cansado, por isso procurará um galho de árvore onde possa repousar. Quando olhar para o solo, não vai mais encontrar um determinado rosto que tanto gostava de contemplar o seu canto.
Vazio.
Em breve, muito breve, verá o mesmo rosto flutuando nas asas de um amor de verdade.
Vazio.
Ninguém vai te ouvir como eu ouvia. Ninguém vai te dizer o que eu dizia.
Vazio.
Contradizendo sua propensão para o esquecimento, sentirá a minha falta, então irá procurar um pouco de mim nos meus textos. Estes mais uma vez o emocionarão ao perceber que também havia um pouco de você ali, pois, apesar do nada que tivemos, o que sinto sempre se transforma em poesia.
Nestes dias você ainda não vai me amar e creio que nunca o fará, contudo vai se dar conta de que eu existo e que minha importância não é a de fazê-lo se sentir importante. Não tenho as suas asas, mas você também não possui as minhas mãos e é com estas mãos que te faço um sinal de adeus enquanto recebo outra vez “aquela parte minha que outrora lhe pertenceu”.

(Há alguns dias você era preto e branco, agora preciso forçar a visão para te enxergar. Obrigada por agir de maneira a se tornar invisível.)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

PREVISÕES

(Escrita em 06/11/2009)

Sinto que posso sentir muitas coisas ao seu respeito,
mas talvez seja pura insensatez tentar prever sentimentos.
Como posso antecipar aquilo que ainda está por dentro?
E assim perder a chance de me surpreender com o tempo?
Vou amar por apenas um dia, sem medo do amanhã.
E se tudo acabar em um de repente qualquer,
não irei me sentir a mais terrível mulher, apenas seguirei em busca de um novo amor que,
um dia por vez, prolongue-se eternamente.
Quero muitos dias de eternidade,
quero que minhas mãos continuem livres em suas criações.
E, se por ventura, eu perceber que meu coração já não é mais livre, render-me-ei a essa cilada...
Quão belas são as coisas inesperadas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A MÁSCARA


Nada como uma festa para nos afastar – momentaneamente – de nossos desprazeres. Nada como uma multidão de pessoas esquecidas de si mesmas para nos levar a também esquecer de quem somos. Um baile de máscaras, em especial, é a ocasião perfeita para testar novas personalidades e ensaiar novas atitudes.

Ela estava cansada... De repente todas as suas crenças quanto ao amor verdadeiro pareciam pequenas demais diante de suas limitações humanas e perdeu parte das forças que a mantinham firme a espera “dele”.

Há um mês atrás havia escrito uma carta endereçada a Deus na qual descrevia com detalhes aquele que deveria ser o homem certo para ela. Rezou sobre a carta e guardou-a na Bíblia, decidida a proceder da mesma maneira no décimo dia de cada mês até que seu pedido fosse realizado. Quando, no entanto, aproximou-se a data em que reapresentaria seu pedido a Deus, estava envolvida em tal marasmo e angústia que já não encontrava gosto em seus antigos anseios e acabou por se esquecer que era hora de prosseguir com suas orações.

Naqueles dias estava propensa a se refugiar nos amigos para se afastar dos próprios pensamentos. Assim, depois de certa insistência, duas amigas convenceram-na a ir a um baile de máscaras na madrugada do dia nove para o dia dez. Apesar de inicialmente ter recusado o convite, logo se animou com a idéia e preparou as vestes negras que usaria para se fantasiar. Sua maior preocupação, contudo, não era disfarçar seu rosto, mas sim mascarar sua alma.

Nunca foi dada a efemeridades. Dava a um beijo o valor do sentimento e nunca antes havia beijado alguém pela simples necessidade de beijar. Naquela noite, ao contrário, estava pronta para provar uma boca que não tivesse lhe feito juras de amor.

Música alta, pessoas dançando sem a menor coordenação, cheiro de álcool e cigarro por toda parte – era este o contexto ideal para envolvimentos fugazes. Não tardou muito para encontrar um par tão perdido quanto ela própria e talvez tenha sido este o único ponto comum entre os dois.

Ele se mostrou um pouco simpático, mais ou menos interessado e meio interessante. Não era de muitas palavras e sabia ouvir menos ainda. O que ele queria obter pedia silêncio.

Quando se beijaram, ela sentiu um gosto de vazio que se misturava ao abraço que não veio, aos elogios que não foram feitos e a conversa que não surgiu. Percebeu facilmente que para ele tanto fazia quem era a dona da boca, desde que essa correspondesse aos seus interesses.

Há horas o relógio passara da meia-noite e já era o décimo dia do mês. Ao invés de estar diante de uma vela falando com Deus, estava na frente de um estranho que olhava para ela sem vê-la.

Mesmo em minha onisciência de narradora, não fui capaz de perscrutar seu espírito a fim de dizer com certeza qual foi a sua sensação quando, após, tê-la beijado, ele perguntou qual era mesmo o seu nome. Sei apenas que ela pensou seriamente em responder “ninguém” ou “qualquer uma”, pois era como se sentia.

Ao se afastarem (fisicamente, pois emocionalmente nunca estiveram juntos), ela levou consigo as piores impressões, enquanto ele, de certo, não levou impressão alguma. Em breve haverá outra festa, onde estarão outras mascaradas e mais uma porção de nomes para serem confundidos e, em seguida, esquecidos.

Ele jamais saberá quem de fato havia por detrás daquela máscara. Não conhecerá os pedidos que saíram pela mesma boca que beijou nem as promessas e sonhos que mantém viva a moça de vestes de negras.

Ele não teve tempo de sentir a sua respiração...

domingo, 10 de outubro de 2010

UMA NOITE


Uma noite para curar o ócio e esquecer a vida.
Uma noite para deixar que as batidas da música se confudam com o compasso do coração.
Uma noite em que as pessoas não são pessoas, mas apenas companhias.
Uma noite em que tudo perde o sentido e por isso é mais fácil reencontrar a direção.
Você sabe quem eu sou? Isso pouco importa...
Era eu quem estava ali para afastar a sua solidão.
Meus pensamentos não lhe interessavam,
Minha voz e promessas também não.
Dois bonecos perdidos em seu cansaço,
Cansaço que não está nos pés, mas na falta de razão.
Quando as bocas se afastam,
O gosto do beijo pode durar mais que uma recordação.
Isso não te faz sentir descartável?
Talvez seja o sentimento apenas de pessoas dotadas de emoção.
"Qual é mesmo o seu nome?
Vou anotá-lo em meu telefone para outra ocasião."
Então quando estiver novamente perdido,
Buscará meus serviços de orientação.
É uma pena, mas meu telefone estará mudo,
Pois não quero ser escudo de consolação.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

O VOCÊ QUE HÁ EM MIM


Ainda existe um você dentro de mim, mas não o você que você é e sim aquele que eu inventei.

A cada vez que me perco de mim, encontro você, porque o que mais amo em você é aquilo que eu mesma gostaria de ser.

A ausência de respostas da sua parte demonstra que, bem ao contrário, não existe uma eu dentro de você.

Na verdade, nunca fomos apresentados e a única coisa que sabe sobre mim é o quanto te busquei, embora eu não soubesse que estava procurando por mim mesma.

Cabe aqui lhe agradecer, porque a completa impossibilidade de conciliarmos nossos sentimentos, deu-me inspiração para escrever e forças para chorar lágrimas que precisavam sair. Fingi que elas eram suas, mas eram apenas minhas e foi a minha alma que lavaram.

Não quero mais me sentir fracassada pela conquista que não realizei nem vou me despedaçar a fim de me reconstruir segundo a sua imagem.

Sou eu, sabe? E talvez o você que inventei seja o eu que ainda está preso em mim.